Latifúndio da Escola

Junte num liquidificador uma Medida Provisória indigesta, incabível e atropelada; um estudantado secundarista nunca ouvido, desrespeitado e subjugado; um magistério com condições de trabalho e produção cada vez mais arrochadas e com a possibilidade de cortes inclusive no salário base nacional que foi conquista árdua; um governador psdbista que trata servidor público como se fosse barata em torno de açucareiro... O resultado não poderia ser outro: escolas ocupadas, tomadas coletivamente para causar debate, controvérsia, diálogo, provocação na sociedade dividida entre amor e ódio, lado A e lado B. Extremos e antagônicos.
A notícia surpreendente de que em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, foi iniciada uma forte resistência de estudantes secundaristas anima os adeptos do pensamento crítico e da Educação transformadora e dialética. Cobram melhorias na Educação e manutenção dos direitos adquiridos e por vezes sonegados, como foi o da merenda, há meses atrás, com o mesmo ato de resistência visto em Maringá e em São Paulo, para bem exemplificar.
Há quem diga que o Projeto da Escola Sem Partido, que tramita no Congresso Nacional é importante para eliminar a possibilidade de “doutrinação” dos estudantes, inclusive quanto a questões de respeito à relação de equidade de gênero.
Não é essa a nossa concepção. O pensamento crítico, universal, plural, eclético faz-se imprescindível para a formação integral do ser humano. Tanto dentro como fora da comunidade escolar, que influi a família. Muitos se esquecem de que pai, mãe, responsável, a profissional dos serviços gerais, o vigilante, a secretária e tantas outras pessoas que atuam num estabelecimento de ensino, compõem o vasto universo da Comunidade Escolar e, portanto, tem muito a ensinar e aprender mutua e diferentemente.
Está aí a grande e inequívoca luta que as gestões estatais, em todos os níveis, precisam admitir, encarar e assimilar. Não se faz escola sem pessoas. Não se faz Educação, sem gentes, diferentes, complementares, contraditórias, mas, ainda assim, vivas e atuantes. Querer trabalhar com um pensamento só é matar a capacidade de o pensamento crítico surgir.
Os estudantes em ocupação, alimentados pela fabulosa rebeldia que é própria da faixa etária e pela indispensável formação política e crítica que a própria vida vai lhes oportunizando, porque é assim que se aprende, dão a cada um de nós, pais, educadores, lutadores do povo, um alento de que nem tudo está perdido. Há muita luta e resistência contra o golpe em galopante implementação e à garantia do que já foi conquistado, caso não seja possível conquistar mais, pelo menos por hora.
A luta, diferente das urnas não tem ponteiro que segure. Não tem expediente, endereço, liderança. Ela é indomável, inclusiva, frutuosa, ainda que demorada e processual.
Experimentar essa receita é, no mínimo, atitude marcante. A repercussão disso, uma vida inteira não consegue esconder. O latifúndio da Escola, assim como o da propriedade improdutiva, precisa ser questionado, ocupado e revitalizado. Que a juventude nos inspire ao desconforto, desconstrução.


LUIS ALVES PEQUENO, professor, educador popular, empreendedor na economia popular solidária. Curitiba/PR 


Com foto de http://marxismo.org.br/

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