Crianças e a nova era do gelo


Os 366 votos que parlamentares deram em favor da Proposta de Emenda Constitucional 241 recentemente aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, representam um congelamento literal das políticas e investimentos em duas áreas fundamentais para o desenvolvimento de uma nação: a Saúde e a Educação.
Com o argumento de que é preciso baixar os gastos do governo federal com o custeio da máquina, o executivo ilegítimo e sem voto resolve a cortar gastos justamente naquilo que é  mais imediato e útil para a vida das pessoas: o serviço público, como um todo, envolvendo, inclusive a remuneração de seus servidores.
Não poderia o governo federal baixar a medida reduzindo pela metade o valor dos salários dos juízes, desembargadores, deputados(as), dos ministros, do próprio presidente? Não poderia fazer uma PEC que imediatamente elimine a aposentadoria vitalícia dos futuros governadores, já que mexer no que foi adquirido, a nosso ver, injustamente, pelos atuais ninguém tem coragem de reverter?
Por essas e outras medidas que Temerário Golpista não toma, só há um remédio a adotar: rua nele! Parece pouco possível outra medida imediata que não a manifestação pública, ampla e irrestrita das gentes, em favor da liberdade de poder usufruir dos direitos que já conquistou. Se nenhum a mais for conquistado, também nenhum deverá ser delas tirado.
A criançada que hoje festeja seu dia, certamente terá, daqui há 20 anos um país muito diferente do atual: sucateado, com um Estado mínimo, neocolonizado por capitais internacionais que tornarão esse país continental em uma “ilha” de exploração.
Não se deseje isso para nossos(as) filhos(as) ou netos(as). E tudo faremos, ao nosso alcance, pra defender o que ajudamos a construir, desde a adolescência, quando já tínhamos clara a certeza de sermos, e continuarmos, um Ser político e social. E, portanto, não lutar pela sobrevivência pessoal e pelo direito de quem está ao lado. Luta-se pelo coletivo, pelo amplo, pelo direito universal de todas as pessoas poderem viver com dignidade.
Como dizia Brecht, da minha omissão nasce o garoto de rua, a prostituta, o assaltante, o engravatado corrupto, o pastor, empresário ou o fazendeiro que faz do mandato um balcão de negócios.
A criação, ou Deus, ou a natureza, respeitando todas as convicções de fé, não fez-nos para sofrer a ridícula humilhação das ações de nossos (des)governantes. Gente é para brilhar, como ensina a música.
Se o(a) meu vizinho(a) é um(a) ignorante na leitura de mundo e na complexa teia do emaranhado da política partidária na qual todos(as) nós, simpáticos(as) ou não aos partidos estamos envolvidos(as), é nosso dever contribuir no esclarecimento, no diálogo, na ponderação. Não tá fácil para ninguém acreditar que a mudança venha dos gabinetes. Mas se as pessoas, fora deles, não constroem suas propostas, sugestões e argumentos do que querem e defendem, também nada mudará.
Estudo do Dieese, comparando os gastos desde 2002 com saúde e educação e aplicando neles a regra retroativa do que defende a PEC 241, revela o atraso em que o país estaria caso o congelamento de gastos se desse naquela data. Seriam 377 bilhões a menos investidos na Educação e 295 milhões na Saúde, a diferença entre o que foi investido e o que não poderia ser mais realizado se a PEC já tivesse vigente. Um retrocesso sem tamanho. E que, sem dúvida ou vacilo, será aprovado na 2ª votação. O congresso atual, sem negros, mulheres, jovens e pessoas eleitas (minoria branca, masculina, abastada e corporativa, com ajuda dos milhões de votos dos(as) ingênuos(as) e anestesiados(as) pela promessa de migalhas, aprova o que bem entender, como quer entender.
Dias difíceis, os atuais. O sorvete das crianças pode não mais existir. A ida no circo, que já é restrita, pode não mais existir. O dinheiro do lazer foi para o remédio. “A era do gelo” recomeçou. Mas, dessa vez, não é ficção. É pura realidade. Ruas abertas para serem preenchidas pelas gentes, em movimento!


LUIS ALVES PEQUENO, professor, educador popular, empreendedor na economia popular solidária. Curitiba/PR

Com foto e informações de http://dieese.org.br/




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