A crise no Senado é uma síntese de como as elites tratam a coisa pública

por Michelle Amaral da Silva última modificação 13/08/2009 15:09
Editorial ed. 337 Jornal Brasil de Fato


Punir alguns senadores, é necessário. Mas insuficiente. É necessário fazer uma ampla e profunda reforma política em nosso país



A crise exacerbada que hoje se abate sobre o Legislativo – principalmente na figura do presidente do Senado, José Sarney – é uma síntese de como, historicamente, as elites trataram o patrimônio e as instituições públicas em nosso país.
Se os ideais iluministas, tendo como um dos alicerces o princípio de que os interesses públicos estavam acima do interesses particulares, impulsionaram as revoluções burguesas dos séculos 17 e 19, na Europa ocidental, aqui no Brasil nem sequer isso as elites se dispuseram a fazer. Como escreveu o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Brito, no “Brasil a república entrou pelas portas dos fundos, numa associação bizarra entre os progressistas de então e os fazendeiros contrariados coma abolição da escravatura, capitaneados pelos militares, sob a égide da filosofia positivista, avessa aos ideais democráticos”. Os 40 anos da República Oligárquica (1889 – 1930) consolidou a prática anti-democrática das elites brasileiras.
E, não bastava assegurar que seus interesses particulares prevalecessem sobre os interesses públicos. Era necessário também afastar o povo da ação política. O ex-presidente Washington Luís (1926-1930) cristalizou a essência dessa política das elites ao afirmar que “a questão social é caso de polícia”.
Por último, o tripé da ação política das elites brasileiras é complementado com a prática de ser completamente submissa aos interesses do capital internacional. O roubo das nossas riquezas naturais e do patrimônio público construído em 500 anos de história não seria possível sem a conivência e participação das elites brasileiras. Assim, quem melhor definiu o perfil das elites brasileiras foi o professor Florestan Fernandes, ao dizer que é uma elite anti-nacional, antidemocrática e anti-social.
Essa mesma caracterização que Florestan faz das elites, é o retrato acabado da mídia brasileira. Na crise do Senado, a mídia não tem nenhum interesse em buscar suas causas e, muitos menos, quais as possíveis saídas para sua superação. Sua atuação se restringe à saturação e generalização das denúncias, buscando promover a despolitização e desmobilização popular na vida política do país. A concentração dos meios de comunicação em nosso país é exatamente resultante desse modelo político que hoje está em crise e tem na figura do senador Sarney um dos seus maiores expoentes.
É louvável que se busque apurar, responsabilizar e penalizar o presidente do senado – e todos os demais senadores - pelos possíveis crimes cometidos. Mas é inconcebível que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso passe incólume depois que, no programa de privatizações, entregou mais de 70% do patrimônio público a grupos privados. Ou por que não é posto em xeque a política econômica do governo Lula, quando destina cerca de 50% do orçamento para pagamentos de juros e amortizações das dívidas interna e externa?
Mas a crise do senado, também, externaliza para a sociedade o despreparo da maioria dos parlamentares que foram eleitos. A Constituição Federal de 1988, fruto do ascenso das lutas sociais e populares da décadas de 1970 e 1980, consolidou os objetivos fundamentais de construir uma sociedade justa, livre e solidária; de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais e de assegurar que todo poder emana do povo. Por acaso é visto alguma discussão entre os senadores em torno da busca da realização desses objetivos constitucionais? É mais fácil ver um senador chamando o outro de cangaceiro – Tasso Jereissate (PSDB-CE) se referindo a Renan Calheiros (PMDB-AL) - e recebendo em resposta que ele, o tucano, é um coronel de merda.
Punir alguns senadores que desviaram recursos públicos para interesses pessoais, é necessário. Mas insuficiente. É necessário fazer uma ampla e profunda reforma política em nosso país. Uma reforma que não fique restrita à reforma a eleitoral que os atuais parlamentares – senadores e deputados federais – estão empenhados em fazer.
Os movimentos sociais defendem a reforma do sistema político centrada em 5 grandes eixos: 1) fortalecer a democracia direta; 2) fortalecer a democracia participativa; 3) aprimorar a democracia representativa – sistema eleitoral e partido políticos; 4) democratizar a informação e a comunicação; 5) democratizar o Poder Judiciário.
Além dos debates e discussões em torno desses 5 eixos, uma reforma política séria, que rompa com os interesses corporativos dos atuais parlamentares, exigem um nível de participação e organização maior da população brasileira. Sem as lutas sociais não haverá a reforma política que o país necessita e, as poucas e pequenas conquistas que, por acaso houver, não sairão do papel.

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